Capítulo 2

Capítulo 2: Adubar




             “Aquele dia de prova quase me custou a alma. Me lembro de ter expulsado, usando a força, aquele bando de macacos idiotas. Eu não tinha medo das ameaças que me faziam, já enfrentava tudo o que tinha de enfrentar todos os dias, então, gritarem feito pássaros moribundos não chegava nem perto dos pesadelos que eu tinha.
            Olhar para a cara da minha irmã, isso foi o pior. Ela estava na cidade, e esta foi a segunda chance que eu tive de encerrar tudo. Eu poderia ter escolhido a morte de minha filha, eu poderia agüentar a depressão por mais tempo, me matado depois, quem sabe? Eu teria até a chance de recomeçar, trabalhando na fazenda de um amigo. Mas não. Nem sequer tive coragem de matar minha irmã, o que teria causado a morte de minha Moly impedido a coisa toda.
            Por que matar Amélia? Ah, nada demais...”



           
Dois dias depois da sessão de provas, da decisão dolorosa em usar a irmã que tanto odiava, Jordan sentia fortes dores de cabeça. Em uma cafeteria, num dia de folga, tinha seu laptop funcionando à sua frente na mesa, com uma grande caneca de café fumegando de um lado, e um sanduíche de peito de peru com queijo derretido do outro. Sempre fora àquela cafeteria, sua favorita, onde conhecera sua esposa, Jessica... Sentia falta dela, de seu cabelo preto como carvão e seus olhos cinzentos. Seu riso fácil na boca pequena e bem desenhada...
            Esses pensamentos de memória e recordações tristes o faziam suspirar, e se lembrar de que ela morrera era doloroso. Mais doloroso ainda era saber que sua irmã tinha culpa nisso. Agora a forçaria a penar pelo crime dela, em troca de salvar a vida de sua filha e mentir que a perdoava. Moly era sua prioridade, seu último pedaço de sanidade e alegria na vida, o último laço com Jessica.
            Estralou os ossos do pescoço, respirando fundo enquanto sentia os ossos fazendo o notório som de “creck, crack, pleck”, e voltou ao trabalho. Corrigir provas nunca era um incômodo, achava simples pois conhecia seus alunos e sabia onde erravam e onde acertavam sem precisar olhar duas vezes. Além disso, não estudara artes por tanto tempo para precisar checar fontes e saber quando uma resposta era um fracasso completo em suas aulas. “Esses idiotas só querem fazer artes por falta do que fazer na vida, na certa vão acabar sendo recepcionistas de fast food ou drive thru”, ele refletiu silenciosamente enquanto mordia seu sanduíche e digitava algumas coisas nas correções das provas. Sempre tão fácil corrigir respostas erradas, chegava a acreditar que o faziam de propósito. Especialmente uma aluna em questão que, há meses e meses, vinha implorando por uma expulsão devido às péssimas notas e pedia ao “professor Miller” por aulas particulares.
            Mas como todo homem de olfato apurado, sabia dizer quando uma jovem estava agindo feito uma felina no cio. Especialmente as universitárias, mas parecia que algo as movia diretamente para sua aula, para cima dele. Em seus 34 anos de idade, ainda era bom partido: cabelo louro escuro, rugas de expressão de alguém que costumava sorrir com grande freqüência, um notório bigode louro que chamava a atenção por onde ia, o porte alto de um lutador conquistado por aulas de boxe, além da voz profunda como um baixo, suave e macia. Talvez esse fosse o motivo de seus alunos não desistirem de vez: ele. A voz hipnótica, somado ao seu senso de humor, cativava os jovens. E acendia aquele irritante fogo sexual nas alunas.
            A aluna que fazia de propósito para ser expulsa, Hilary, era a pior de todas. Baixinha, de porte atlético merecido e cabelo curtinho, era disputada por tantos garotos que Jordan se questionava como ela podia chegar à sua sala sem transformar os corredores da Universidade numa orgia generalizada. Mas ao que parecia ela mirava homens mais velhos, pois, sempre que pudera por acidente flagrar a garota com um namorado, o mesmo aparentava ter cinco, seis, ou sete anos a mais do que ela, com seus dezenove. Um homem, então, de 34? Seria o prêmio máximo no fetiche de uma garota dessas.
            Foi pensando nisso que percebeu apenas dez minutos depois que seu celular vibrava em cima da mesa freneticamente. Jordan pegou o aparelho, checou a lista de ligações: eram cinco ligações perdidas de Amélia, esta última, a sexta. Não demorou para que ela ligasse novamente, e ele atendeu apenas para se livrar dela.

– O que você quer, inferno? – Falou com a voz baixa, para não incomodar ninguém na cafeteria.
– Você trocou a fechadura da sua casa de novo? – Amélia perguntou, ignorando sua pergunta.
– Troquei, sim, sua cretina. Troquei e coloquei umas dez trancas internas – Era exagero, é claro, só havia três trancas novas na porta.
– E como é que eu vou entrar desse jeito?
– Planejava se hospedar na minha casa? Uma pena, Amélia. Uma pena mesmo – Sua voz imitava um tom de tristeza, puro escárnio em seu ápice – Arrume um hotel, seu dever em Boston é salvar a minha filha.
– Sabe que eu tenho a solução pra alergia dela, não é? E pra fome no mundo também. EU é que tenho a resposta, então, deveria me tratar melhor.
– Só porque usa esse sobrenome ridículo que não te pertence não significa que você seja especial ou uma heroína, eu sei do que você é capaz.
– Vai continuar insistindo nisso? Eu já paguei pelo que fiz.
– Não pagou comigo – Jordan ressaltou – A sua única chance de receber o meu perdão é salvando a minha Moly. E que eu saiba nada na documentação médica que incluía o seu tratamento mágico de vodu urbano ambientalóide tinha algo como “me hospedar na casa do meu irmão”.
– Ótimo, então – Amélia respondeu, resignada e mal humorada – Me encontre no hotel do centro, hoje. Quero conversar com você os detalhes do tratamento.
– Nada me daria mais vontade de me matar pulando de uma janela de um prédio alto do que olhar para a sua a cara.
– Apenas venha, okay? Três da tarde – E desligou.

            Jordan olhou feio para o celular, cogitando jogá-lo contra as vitrines da cafeteria. Respirou fundo para não explodir de raiva, afinal, arrumar problemas com a polícia era a última coisa que precisava. Sua paciência estava testando seus limites, pelo visto, pois não bastava ter de aceitar ajuda da irmã, agora era forçado a ter de aturá-la enquanto o tratamento estivesse sendo trabalhado.
            Massageando as têmporas com lentidão, Jordan voltou ao seu trabalho. Ainda eram dez da manhã, tinha tempo de sobra para ter de olhar para a irmã.



           
 “Jessica sempre me dizia que eu usava o trabalho para me acalmar e voltar para ela, são, sem nenhum stress. Uma pena para ela que Amélia resolveu levá-la numa de suas festas. Até hoje eu penso que teria sido prudente tê-la proibido de ir naquele antro de nojeiras.
            Hoje, penso também se não teria sido mais prudente eliminar minha irmã quando éramos crianças. Teria sido muito mais fácil, eu diria o tempo todo que fora um acidente, meus pais iriam lamentar, mas logo, esquecer, e a vida teria seguido um curso muito semelhante ao que vinha tendo, coma a exceção dos fatores da morte de Jessica, e da infecção de Moly.
            Eu não queria, não tinha vontade de olhar pra Amélia, mas...”, Jordan se interrompeu, pois, do lado de fora da loja de conveniência em que estava, ouvia os passos lentos e trôpegos de um deles. Aquelas coisas andavam por aí, imitando o caminhar comum de humanos com maneirismos de um animal que recém aprendeu a andar. Bizarros e medonhos de se olhar, Jordan nunca lhes dava mais atenção do que mereciam. E ele podia se sentir seguro, na situação de agora, pois havia se limpado completamente naquela manhã, e agora não precisava sequer queimar a pele de novo.
            Ele olhou por cima do balcão onde estava escondido, checou, e nada. Ele já se fora, fugindo ou caçando, qualquer que fosse o motivo. Logo, voltou à sua escrita com o coração pulando na garganta.
             “... Se aquilo significa pôr uma linha de limite entre nós dois, onde eu poderia forçar aquela idiota a curar minha menina, então, eu faria. Tolo que fui, eu deveria ter aproveitado a situação, a oportunidade que me foi dada. Tolo. Tolo e covarde”.



           
Sem endereço, Jordan teve de achar na sorte o maldito hotel onde Amélia se hospedou. Se acabasse logo com aquilo, poderia voltar para casa mais rápido e dormir. A tarde toda. Apenas acordando durante a noite para assistir à luta livre. Um bom programa noturno acompanhado de um belo cozido de carne com vegetais lhe faria muito bem. Talvez uma caneca de cerveja preta... É, isso lhe faria MUITO bem.
            O hotel em questão, pelo que vira, se chamava “Harignton alguma coisa hotel”, não prestou atenção e não queria saber. Quanto menos pensasse naquilo, melhor, quanto mais rápido lidasse com Amélia e saísse dali, melhor.
            Chegando ao recepcionista, perguntou pelo nome da irmã, e foi informado de que ela estava no quarto número 40 do quarto andar. “Tão conveniente”, ele resmungou enquanto subia às escadas. Jordan odiava elevadores, também por causa da irmã, que o assustava desde pequeno e, por alguma ironia do destino, causara a morte de um cão de estimação que Jordan gostava muito quando tinha 15 anos. Apenas outro motivo para odiar a irmã, é claro.
            Quando, enfim, chegou ao quarto andar, procurou pelo corredor a porta de número 40. A última do corredor, uma porta marrom comum com a numeração feita em uma moldura folheada de ouro. “Tão brega”, ele pensou, enquanto batia de leve na porta. Ouviu uma resposta, se era “entre” ou “seja breve”, não soube dizer. Mas se arrependeu de sua falta de cuidado ao abrir a porta, pois deparou-se com a irmã, nua, na cama, exibindo as estranhas tatuagens em suas coxas e seus pêlos pubianos tingidos de um tom de verde escuro.

– Por Deus, sua cretina! – Jordan escondeu o rosto com a mão direita, virou o rosto para trás e fechou os olhos, tudo para apagar da mente aquela visão – Foi pra esse show de horrores que me chamou aqui?!
– Age como se nunca tivesse me visto nua – Amélia reclamou, se levantando e andando pelo quarto para poder fechar a porta.
– Você é despudorada, garota, nunca teve um pingo de respeito por mim. É por isso que sempre tentou arrancar minhas roupas quando eu era pequeno.
– Eu sou a irmã mais velha ainda, e quando éramos crianças era coisa boba – Amélia deu de ombros, esfregando intencionalmente os seios nas costas do irmão, que tremeu de nojo.
– Como se isso fosse alguma desculpa pra ter abusado de mim, sua idiota suja. Se não colocar uma roupa ou se cobrir, eu saio daqui imediatamente.
– Eu tranquei a porta, sabe...
– Eu não falei de porta, falei? – Jordan se dirigiu à janela e a abriu, colocando uma perna para fora.
– Tá, mas que merda, Jordan – Amélia suspirou de raiva enquanto buscava um roupão no banheiro – Serve um roupão? E eu nem estou úmida pra vestir isso.
– O seu senso de humor é tão sujo quanto você, garota – Jordan parou para ouvir os sons de tecido, confirmando que ela se cobrira – Me fala de uma vez o que você quer comigo pra eu sair daqui logo, droga.
– Queria matar a saudade, jogar conversa fora primeiro...
– Corta o papo furado, sua maldita. Se com “matar a saudade” você quer dizer “repetir o abuso” que me fez quando éramos crianças, então pode desistir. Fale do maldito tratamento que pretende usar na minha filha, e eu vou voltar pra casa mais tranqüilo.
– Tudo bem, então... – Amélia se sentou na cama, ligou a TV e começou a resmungar, antes de falar – Eu venho estudando as necessidades alimentares e descobri uma forma de, ao curar um paciente de doença terminal ou em tratamentos que o impeçam de morrer devido a sérias complicações, elimine a necessidade de comer carne.
– É algum tipo de piada, Amélia?
– Não, por que seria? Sabe quantos filhotes de galinha morrem pra produzir os seus nuggets?
– Corta esse ridículo papo vegano de merda e vai direto ao ponto.
– Alguns cogumelos e vegetais tem muito mais nutrientes, sabe? Não faria mal se você mudasse de dieta...
– Fui – E Jordan novamente saía pela janela.
– Mas que merda, Jordan! – Amélia correu para puxá-lo de volta, mas foi empurrada pelo irmão.
– Vai falar sério ou vai ficar de palhaçada querendo me arrastar pro seu culto da cenoura?
– Tá, que seja... Utilizando os componentes da cadeia genética de cogumelos, que podem se regenerar e tirar proveito de nutrientes de pouca coisa, eu aumentei a taxa de absorção de nutrientes pra origem vegetal. Os ratos em que usamos demonstraram um consumo maior de vegetais, como brócolis ou alface, mas a saúde deles era muito maior.
– E pretende usar isso na minha filha? A conveniência disso era tão grande que precisava da minha filha de cobaia nos seus experimentos idiotas de “comer carne é construção social”?

            Sua irmã, por alguma razão, engajada em políticas bizarras, sempre simpatizara dos movimentos vegetarianos. E sempre tentava arrastar a ele e sua família nesses “cultos”. Agora, via que a irmã só ajudava a sobrinha como parte de seu projeto ideológico, usando a menina como uma propaganda.

– Eu não vou deixar que você sequer chegue perto dela depois de ela se curar. Ela não vai ser a sua garota propaganda. Acha que eu vou permitir que faça com ela o que fez com Jessica?
– De novo com essa história... – Amélia bufou de raiva – Quantas vezes você vai jogar na minha cara que ela morreu?
– Você matou ela, levando-a pra uma dessas festinhas idiotas de merda cheia de comida esquisita, drogas – Jordan apontou o dedo indicador para ela – Você a levou pra uma dessas festas, prometeu que iria tomar conta dela, e não deu a menor bola pro fato de ela ser alérgica à pimenta, e não satisfeita você entupiu a Jessica com cocaína e fez ela ter uma porra de uma overdose! Se salvar minha filha, eu paro de esfregar seu crime na sua cara, mas se chegar a menos de dois metros dela, eu te mato.

            Jordan buscou as chaves do quarto, abriu a porta e saiu, jogando a chave para trás de si antes de fechar a porta com uma batida. Aquela conversa o deixara profundamente irritado, mas pelo menos sabia o que a irmã tinha em mente. Mas, ao menos, tinha um plano para impedir a degenerada de sua irmã de tentar interferir na vida da menina mais do que já estava fazendo.
            Saiu do hotel e foi ao mercado. Aquele cozido melhoraria seu humor.



           
 “Eu tenho certeza, eu tenho absoluta certeza de que poderia ter jogado a idiota da minha irmã pela janela. Eu iria pra cadeia, óbvio, minha filha talvez morresse, uma vez que eu não havia assinado a documentação final do tratamento alternativo. Mas, não o fiz. Eu queria a minha filha viva, e se o preço a pagar era que ela comesse a porcaria de um estoque inteiro de cebolas e repolhos, que seja então.
            Eu precisava me acalmar, a melhor coisa a se fazer era, então, voltar pra casa e no dia seguinte, eu daria início ao fim”.
            Jordan olhou ao redor, e notou que estava escurecendo. Seria melhor voltar para seu esconderijo o mais rápido que podia. Recolheu todos os objetos que conseguiu saquear, meteu-os todos numa mochila que carregava, e saiu. Andava devagar e olhava ao redor com cuidado, escrutinando cada mínimo detalhe. Tinha de tomar cuidado com as “cuspidoras”, essas lhe davam enorme trabalho, especialmente para se livrar dos malditos esporos que o tornavam um alvo fácil. Mas, pior, poderiam torná-lo algo que ele não queria ser. Alimento. Para eles.
            Seu esconderijo não era longe dali, um prédio onde ele tivera sucesso em fechar todas as entradas de forma rápida e segura.  Limpara o mesmo com várias garrafas de água sanitária e álcool, além de lufadas de fogo controlado usando o desodorante spray e os muitos isqueiros que guardava consigo. Medidas de cuidado nunca eram demais, e Jordan sabia se cuidar depois de três anos vivendo nesse inferno.
            Entrou pela passagem secreta do prédio, subiu as escadas calmamente e, quando chegou em seu quarto, jogou suas coisas na cama, pegou novamente seu caderno e a caneta, e pôs-se a escrever novamente.



           
O cozido, fumegando em sua tigela, tinha um cheiro maravilhoso dos temperos que Jordan usava na hora de cozinhar. Recostado em sua poltrona, as pernas apoiadas num banquinho à sua frente, ele apertava os botões do controle remoto e mudava de canal, buscando seu entretenimento. Meditava em silêncio sobre o que ocorrera hoje, sobre o que aconteceria no dia seguinte, e sobre como lidar com os problemas vindouros, se houvessem.
            Amélia ainda tentou ligar para ele durante duas horas sem parar, mas ele desligou o telefone e removeu da tomada o ramal fixo que tinha em seu escritório. Ela tentou contatá-lo via internet, o que ele ignorou por estar ocupado demais ao assistir à luta livre daquela noite. É, de fato, aquilo o fazia esquecer-se de tudo por um tempo, os ombros relaxando devagar e pouco a pouco, a preocupação o abandonava. Ainda havia esperança para sua filha, e Jordan não iria deixar sua irmã matar a menina como fez com sua Jessica.
            Sem que percebesse, acabou adormecendo na poltrona, e só acordou no dia seguinte, faltando uma hora para o início dos procedimentos do tratamento. Se vestiu apressado após uma ducha fria, para acordar o melhor que pôde, pegou as chaves do carro e saiu. Dirigiu às pressas para o Hospital, e ignorou todas as enfermeiras que gritavam às suas costas. Quando chegou ao quarto de Moly, pediu uns momentos sozinho com sua filha, que estava dormindo sob o efeito de sedativos.
            Quando todos os médicos e enfermeiras (e sua irmã) saíram do quarto silenciosamente, Jordan andou devagar até a cama. A imagem era de tal forma depressiva que por um segundo Jordan cogitou se não seria melhor tirar a filha daquela situação toda: tubos enfiados em seus braços para aplicação de soros, um grande tubo de respiração ligado à uma máscara amarrada em seu rosto, o cabelo despenteado e quebradiço depois de meses de tratamento e sem chance de interromper o mesmo para cuidados mais meticulosos. Várias agulhas em seus bracinhos e pernas injetavam doses dos remédios de hora em hora, programados com a dosagem necessária para que a alergia fosse impedida de agir. Pelos diagnósticos que Jordan lera, os órgãos apresentavam falha de funcionamento momentâneo com casos de espasmos e epilepsia, o que era estranho. A pele possuía manchas que eram carregadas de pus internamente, e precisavam ser espremidas e limpas sempre que surgiam. Os órgãos internos rejeitavam formas de alimento sólido, forçando os médicos a alimentarem a garota com apenas líquido, e mais especificamente, alimentos que contenham grande quantidade de ferro.
            Jordan ajoelhou-se ao lado da cama, tocando levemente a mão de sua filha, que estava fria como uma placa de mármore.

– Moly... – Ele sussurrou, sem esperar resposta mas ainda se frustrando por não receber uma reação da menina – Em breve você vai estar curada, eu prometo. Eu encontrei uma saída... Eu encontrei um meio. Finalmente uma cura, minha menina...

            Os bipes da máquina que denunciavam sua batida cardíaca não mudaram. Ela continuava apagada, dormindo. Em dez minutos, a levariam dali para começar o tratamento experimental que Amélia trouxe consigo e sua pesquisa hedionda. Era melhor sair do quarto, e deixar o resto nas mãos dos médicos, mas não saiu sem antes dar uma olhada na aparelhagem toda, sentindo seu coração se apertar dolorosamente e sua mente gritando “não deixe que façam com ela o que você jamais faria”.
            Mas não podia. Se ela tinha uma chance de viver, então, ela merecia viver.

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