Conceito de caos e ordem

    Eu me pergunto como as pessoas acreditam tanto que certas coisas funcionam se, antes, uma pequena e estúpida mandinga for executada com sucesso. A idéia de que pequenos rituais acessam a via da probabilidade de acerto de uma situação é quase... Não. Quase não. É completamente, é por completo um efeito placebo. "Toma essa água com sal depois de girar três vezes que seu soluço passa", e coisas absurdas assim, dentre várias outras. Se acredita que vai funcionar, alguma coisa faz com que funciona de fato, seja a paciência, seja um outro fator externo que o indivíduo tende a ignorar por completo, dando crédito exclusivo à "mandinga".
    No entanto, os indivíduos tão alimentados por essas idéias se esquecem que a vida é regida por fatores distintos, complementares, que fazem as coisas rodarem como uma locomotiva bem cuidada e cheia de carvão pra queimar: o bem, o mal, a ética e a moral, os três conceitos de Airstóteles de Pathos, Ethos e o Logos, e, por sua vez, ordem e caos.
    Enquanto o bem e o mal, ética e moral, são facilmente reconheciveis pelo que é belo de ser e reprovável de se presenciar, preto no branco puro e simples, ensinados pela família ou experiências próprias, os três "Os" de Aristóteles são outro tipo de situação. Semelhantes, mas não os mesmos. Ethos é a credibilidade de alguém, a confiança que as pessoas tem em sua palvra e em como acreditam nela para guiar suas idéias a um futuro mais adequado. O Pathos é a emoção, a imaginação, a força que move as pessoas através da raiva ou alegria, a criatividade em instigar a curiosidade do público com uma bela história. O Logos, portanto, é a lógica e a consistência pura e simples, argumentos bem estruturados que provam os fatos sem necessitar de nenhuma das duas outras qualidades acima (apesar de que seria muito bom desenvolver todos os três, embora eu só seja capaz de usar dois por vez).
    Mas, então, o caos e a ordem, não são tão fáceis de se discernir. A ordem é o equilíbrio natural das coisas, pré estabelecida através da natureza e do desenvolvimento sistemático das coisas. A cadeia alimentar é a ordem, por exemplo, que começa com criaturas pequenas, vai para criaturas maiores, encerra com a morte e retorna para as criaturas pequenas. O caos, por outro lado, é o que acontece enquanto a ordem se estabelece. Se, por exemplo, um crocodilo tenta fisgar numa dentada um filhote de hipopótamo, ele acaba por chamar a atenção da manada de hipopótamos, o caos se instala acima da ordem natural: o carnívoro que comeria o herbírovo logo se torna a vítima da fúria de um grupo maior e mais violento. E, por isso, o corpo do crocodilo é devorado pelos peixes, criaturas menores, e seus restos são devorados pelas bactérias, que acabam sendo devoradas pelos peixes também, e esses peixes são devorados por outro crocodilo, num outro dia, que tivesse mais sorte do que o primeiro.
O caos, no entanto, não pode, de forma alguma, existir sem a ordem, e vice-versa. Por quê? É bem simples de se explicar, eu acho.
    Suponhamos que você veja um vídeo sobre o trânsito da Índia, um dos países com uma população gigantesca. O trânsito lá é um horror, se você olhar de forma superficial: carros e motos correndo a toda e pedestres passando no meio disso tudo. Mas, vendo com mais atenção, perceberá que os carros e as motos usam de um esquema de tempo para que um ou outro possa transitar sem causar um acidente descomunal um com o outro, e os pedestres aguardam intervalos intercalados e calculados, talvez ao acaso, mas mais por costume e vivência na situação, para atravessarem em meio aos carros e as motos. A ordem se estabeleceu em meio ao caos, porque o caos precisava ser ordenado. Entende o que quero dizer?
    Outro exemplo disso é o formigueiro: formigas são guiadas pela mente coletiva de obediência à rainha: trabalham abrindo túneis, buscando alimento para a colônia, enfrentando invasores, solidificando as estruturas subterrâneas da colônia com saliva e criando ninhos, "alojamentos", onde os filhotes ficam até se desenvolverem o suficiente para trabalharem por conta própria. Se cutucar um formigueiro com um pedaço de pau, o formigueiro entra em caos, desornedado e em pânico. A ordem é procurar o culpado, achar o responsável por causar destruição na sutil camada de paz criada pelas formigas com tanto cuidado e esmero. Se não acharem um responsável, a mensagem passada de antena em antena é: "voltar ao trabalho, refazer, reformar, reconstruir, arrumar". A ordem floresce em meio ao caos, pela necessidade da ordem se fazer presente, porque de outra forma, as formigas seriam facilmente esmagadas por qualquer coisa.
    Se jogarem Hylics, 1 e 2, vão entender um pouco mais a respeito disso. Porque lá, naqueles jogos medonhos de stopmotion com massinha de modelar, a idéia filosófica do caos, do significado e da busca pela singularidade do ser, é extremamente presente. O protagonista Wayne quer se tornar melhor e busca formas disso, mas, no primeiro jogo, ele tem de enfrentar o Rei da Lua Gibby. No jogo 2, Gibby retorna e quer fazer tudo voltar ao que era: uma bagunça, um caos sem ordem, uma massa disforme e desordenada sem sentido (eu poderia muito bem fazer paralelos sobre a semelhança berrante disso com "multiculturalismo vs coexistência pacífica", mas não tô na vibe de falar de política).
    Os egícpios consideravam Caos e Ordem como as forças primordiais da existência, não sem razão. As 42 Leis do Ma'at, ou Leis da Ordem, representam um conjunto de normas e guias comportamentais para todas as pessoas se sentirem não só bem consigo mesmas, mas para com as outras, e dentre essas leis algumas delas incluem "não abusar da bebida, da comida, não violar templos e sacríficios, não abusar da hospitalidade de alguém, bons modos à mesa". Coisas tão simples, tão pequenas, que poderiam ser aplicadas no dia-a-dia. (Também não pretendo fazer nenhum paralelo sobre como o cristianismo arruinou tais conceitos por serem "pagãos", não tô na vibe). O Caos, então, era a força da desgraça que transtornava as situações e alterava as vontades. Quanto mais uma pessoa desobedecesse o Ma'at, mais o Isfet teria forças. Deuses como Set, Sekhmet, Serket, Sobek e afins, representavam os fatores do caos, como o deserto, a guerra, os crocodilos e o Nilo, os venenos e os animais peçonhentos. Mas eles não eram deuses de todo mau, eles apenas faziam parte do equilíbrio natural. Osíris, Rá, Anúbis, Khonsu, deuses da morte, do sol, dos funerais, e da lua, representavam a ordem por si só por serem coisas naturais e que não podiam ser evitadas. O sol de tem nascer, a lua tem um ciclo constante e raramente quebrado, a morte e os funerais tem de ser feitos no devido tempo. A coisa no caminho da ordem, a origem de Isfet contra Ma'at, era Apófis, a serpente que originava as fontes do caos, e por ela as desgraças ocorriam. Se por acaso ela tivesse sucesso em engolir o Deus Sol Rá, tudo retornaria ao estado primordial de morte, vazio, frio, e por fim, o nada.

    Se eu tenho um conselho pra dar depois de toda essa lenga lenga? Encontre o equilíbrio. Seja uma pequena diferença, faça a ordem em meio ao caos da sua vida, e ajude quem precisa disso também. Do contrário, seria melhor se você morresse de uma vez, se não vai contribuir com nada de relevante pro mundo.
    Passar bem.

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